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Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Alerta de Spoiler! Se você não leu todos os livros da série, não deve ler este texto.

A Psicanálise é a clínica da singularidade. Trabalhamos com caso a caso, partindo do pressuposto de que ninguém é igual a ninguém. Cada um tem as suas questões e reage de diferentes maneiras mesmo em situações comuns ou compartilhadas com outros. O mesmo acontece com a leitura. Lemos o mesmo texto, podemos dividir a mesma admiração pelo autor, mas tenho certeza que cada um cria o seu próprio cenário e coloca um pouco de si e do seu repertório em cada frase.

Desde o princípio da coluna After no Divã procuro trazer esse ponto. O que eu escrevo aqui é a minha leitura da obra de Anna Todd sob o meu ponto de vista. A identificação que pode causar com outros leitores é atravessada por um ideal que já compartilhamos: admiramos a narrativa do livro e aqui compartilhamos deste gozo que circunda o “grupo de identificação de quem gosta de Anna Todd”. Assim como, independente do que eu vá escrever, sempre terá o grupo antagônico a esta opinião. São argumentos expostos, mas geralmente quem não se identifica com um pensamento irá mudar de opinião por dizeres fundamentados. As últimas eleições no Brasil estão aí para provar isso.

É claro que explanar sobre a situação de forma argumentativa enriquece a discussão, mas ninguém muda de lado por isso. A pessoa só muda se assim ela desejar e se os argumentos tocarem em pontos que dizem sobre o seu repertório. Vejam pela ótica de Hardin Scott. Somente quando foi um desejo dele é que passou a ser possível uma mudança. E não foi fácil, como bem sabemos.

Bom, mas o objetivo deste texto é trocar o divã de lado e deitar os fãs de After, para compreendermos minimamente os agrupamentos – nunca a história de cada um com a leitura, porque isso é particular. A proposta é mapear minimamente os grupos de pessoas que podem se encaixar em todos eles ou podem não se encaixar em nenhum.

#teamHardin Independente do agrupamento, se você pertence aos que adoram After, esse é inevitável. Já disse em outros momentos que, ao meu ver, a história é sobre Hardin. E sobre o amor, mas o amor de Hardin. A narrativa percorre toda a nossa torcida para que o personagem dê conta de amar e sobreviva ao furacão Hessa. Hardin é o personagem que cativa de vários jeitos. Ele não precisa ser Harry ou Hero para isso. A descrição minuciosa de Anna faz arrepiar o leitor. O que amamos em Hardin é o enigma, o semblante do mistério indecifrável e a pulsão sexual que ele desperta. Em outras palavras, o que amamos é a reação que temos ao conhecê-lo – ou até ‘não conhecê-lo’, porque é a dúvida que nos mantém presos na leitura.

#teamTessa Quando eu digo que After é sobre Hardin, obviamente não estou ignorando a história de Tessa, que é no fundo, a protagonista da obra.  O que eu quero dizer é que Hardin é que nos desperta o desejo e a identificação com a história de um amor “impossível”. Se ver no lugar de Tessa é se colocar na vida real, onde o desejo bate de frente com o mal estar da civilização. Há pulsão, mas há regras. Quando pendemos mais para um lado do que para o outro, há punição. Amar demais Hardin, sem conseguir dizer não, a coloca em posição de sofrimento. Amar demais a sua rotina planejada, a deixa sem o amor. O que a personagem busca é equilibrar esse estado, até conseguir se afastar enquanto o outro também ‘se cura’ para amá-la. Hardin e Tessa é como a vida: sem equilíbrio, não há paz.

#teamMovie Sentei para escrever este texto após assistir ao trailer do filme. Não tive dúvidas que o divã, desta vez, seria para o leitor/espectador. Superar as nossas expectativas e fazer borda ao imaginário que a gente cria pela leitura faz estarrecer o inconsciente. Acredito que pode ter havido estranhamento quanto aos atores, ao roteiro do filme, assim como haverá após o lançamento em abril. É claro que um filme jamais alcançará o imaginário de cada um. Isso acontece com qualquer obra literária que vai para as telonas. Não há como superar a expectativa que você criou, nem mesmo se fosse você o roteirista. Há sempre a visão do outro que atravessa o nosso ideal. Procuro fazer analogia de livro X filme como eu X o outro na vida real.  Cria-se um ideal do eu que sempre será frustrado por um semelhante, que por mais que se pareçam, sempre vão ser diferentes. Isso serve para Tessa X Hardin também. Há um imaginário que ao tempo inteiro será estilhaçado por outro que não o representa.

#teamMe Esse é o agrupamento que nos faz identificar a outro. É sobre mim a leitura que faço de uma obra. Cada um coloca em cena as suas próprias questões enquanto lê. É neste momento que passa a ser possível se identificar a um outro por um gozo partilhado. Somos de diferentes idades e cidades, mas estamos aqui, lendo esta página por um objetivo: amar ou odiar o objeto que no fundo nos identificamos (ou contra identificamos) de alguma forma: aquela história que nos toca de algum jeito.

Resumindo, por ser uma leitura particular de cada um, o que amamos em After é a leitura que fazemos da história, quem nos tornamos e o que sentimos enquanto lemos. Por isso, não adianta odiar os haters. Eles falam da reação que eles tiveram, do repertório deles. Jaques Lacan criou o neologismo “amódio”, que é nada mais é do que, quando um começa, o outro termina. Até mesmo para amarmos After precisamos odiar quem não ama. E é assim que o ser humano se agrupa e se identifica, também pela segregação. Desde que não fira e não falte ao respeito com a opinião contrária, amar e odiar é o que nos faz pertencer. Saber equilibrar isso é o que nos liberta. Assim como o nosso casal favorito, que começa como Hessa e termina como Hardin e Tessa.  Dois seres humanos independentes que se amam.


Sobre a autora

Eu provavelmente tenho o dobro da idade da maioria das leitoras de Anna Todd. Sou jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há quase três. No meu aniversário de 31 ganhei de um grupo de amigos psicanalistas o livro After. Sou pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital e atuo na clínica com jovens e adolescentes. Esta foi a desculpa deles para me presentearem com Anna Todd ao invés de uma obra de Sigmund Freud ou Jacques Lacan. Ainda bem que eles fizeram isso. Em um mês eu já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.


Cínthia Demaria é jornalista, psicanalista e autora da Coluna After No Divã, aqui no After Brasil. Seus textos são apresentados quinzenalmente às quartas-feiras, sempre analisando um aspecto diferente dentro da Série After e os seus derivados.

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Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Alerta de Spoiler! Se você não leu todos os livros da série, não deve ler este texto.

Depois que li a série After comecei a procurar resenhas que falavam sobre os livros e avaliações de outros leitores – antes até de procurar ler a visão da autora Anna Todd. Queria entender o que os leitores como eu haviam apreendido da narrativa. Como toda obra que faz sucesso, After ganhou torcida dos dois lados: os que amam e os que odeiam. Pela minha breve pesquisa pude perceber que os amam são maioria, até porque dedicam mais tempo para conversar sobre o assunto. Dentre os que odeiam, noventa por cento diziam odiar por um mesmo motivo: Hardin Scott e o relacionamento Hessa são tóxicos.

Comecei a escrever análises dos personagens e não passei ilesa a este apontamento. “Hardin Scott é abusivo”, “É absurdo as pessoas serem incentivadas a ler After”, e por aí vai. Depois do último texto que escrevi sobre o desabrochar da feminilidade de Tessa Young despertada (também) por Hardin, houveram pedidos pelas Redes Sociais para falar sobre como é possível um final feliz em um relacionamento rotulado “tóxico” como o deles.

Vamos lá. Em primeiro lugar, para opinar, acho essencial ler os 6 livros da série. Sim, os 5 After e o Before (a história de Hardin antes da Tessa). Essencial. Leu? Então vamos conversar.  Não leu? Para por aqui para não tomar um spoiler e para que consiga compreender os argumentos que serão postos a seguir.

Hardin Scott tem um passado.

Sim, os fins justificam os meios. As escolhas que fazemos na vida nem sempre são conscientes. Há escolhas inconscientes que nos mantém no lugar errado, mesmo a gente entendendo que é o pior. O processo de análise é justamente pra isso. Anna Todd tem o cuidado de recorrer a estes pontos de angústia do personagem sempre, para explicar minimamente o seu mau comportamento. Não estou dizendo que o ciúme excessivo e o controle que Hardin TENTA fazer sobre Tessa são a “melhor forma de se relacionar” – até porque não existe o “relacionamento ideal”, mas falta a Hardin o referencial de um relacionamento. Ele não sabe o que é machucar as pessoas até se importar com alguém e entender o que é ser machucado. Hardin é violentado pela vida, pela ausência fraterna dos pais. O significante “fraternidade” é inclusive o local que ele vai se alojar, onde também não encontrará um lar.

Hardin encontra-se na sua neurose obsessiva (não como patologia, mas como estrutura clínica) e faz o sintoma de não admitir perder nada, por isso não se relacionava com ninguém. É o medo de perder que faz dele refém de Tessa. Sim, no meu ponto de vista é ele quem está bem mais fragilizado na relação com a amada.

A neurose obsessiva mereceu um estudo muito amplo por parte da psicanálise. Antes, pela psiquiatria, era chamada de ‘mania sem delírio’ e a ‘loucura da dúvida’. Em linhas gerais, Sigmund Freud afirmou em 1986, que a neurose obsessiva teria como pano de fundo, um evento que “proporcionou prazer”. Ao propor essa inovação, o psicanalista afirma que um excesso de prazer é experimentado pelo neurótico obsessivo no seu encontro com a atividade sexual na infância, e que tal vivência lhe impõe culpa e autorrecriminação. Qualquer semelhança com a história de Hardin Scott é mera coincidência (ou não?).

Portanto, meus caros, considero sim um absurdo, a leitura superficial de After. É claro que, a grosso modo, o ciúme excessivo é patológico. E tóxico. Mas basta “ouvir a voz” de Hardin Scott a partir do segundo livro para compreender que o vilão da história era ele contra ele mesmo.

Não subestimem a força de Tessa Young.

Dizer que o relacionamento deles é abusivo pura e simplesmente, é dizer, sem querer, que Tessa é submissa a Hardin e que não tem poder de decisão. Ela tem escolhas e as faz muito bem no momento em que se depara com o real da mulher. (Se você não leu o texto sobre a feminilidade de Tessa, clique aqui para ler). Não é possível desprezar o sofrimento da personagem no relacionamento. É claro que ela sofre. E muito. Mas manter-se neste relacionamento é também uma escolha inconsciente dela, por vários outros motivos (alguns já até discutidos no texto Hardin Scott no divã). A medida em que ela vai tomando consciência das suas escolhas, consegue se afastar e identificar que aquele problema que ela partilhava era de Hardin. O relacionamento deles dá certo depois que ele se trata. Não ela. Portanto, se fosse para dizer o que é demasiado excesso no casal Hessa, esse seria o amor. Ele a prende a Hardin. Quando a relação começa a ser guiada também pela razão, para além da emoção, ela passa a mudar para que a patologia dele entre em cena.

Anna Todd disse em uma entrevista que ela se identificava mais com Hardin do que com Tessa. E claro, é de Hardin que esse livro trata. É sobre ele e sobre o amor. A escrita de Anna, como de qualquer outro autor, é sobre ela mesma, sobre os seus medos e seu amadurecimento em relação ao outro. Portanto há uma força e um recado bem claros a serem passados aqui: há atitudes erradas e raivas que só machucam a quem as sente. E esta pessoa precisa de ajuda. Quantas pessoas perdemos no mundo por não serem compreendidas, por só fazerem escolhas erradas? After é um importante alerta de que precisamos conversar sobre essas pessoas que não sabem amar, pois nunca aprenderam isso. Apontar o dedo para dizer sobre o sintoma do outro é apenas recriminá-lo sobre o que ele mesmo não se dá conta. E a arte tem justamente este papel, o de levantar questões que precisam ser debatidas. É melhor elas serem discutidas pela literatura do que por vítimas da vida real, concordam?

Descriminar After pelo viés “abusivo” é como rotular a literatura que aborda o suicídio como tabu. Quantas vítimas são necessárias para gente tentar começar a debater sobre o tema?

E é possível final feliz de verdade?

Claro que trata-se de uma narrativa dentro de um contexto romântico, mas quando as escolhas inconscientes passam a ser conscientes (da emoção para a razão, a grosso modo), um trabalho passa a ser possível.

Enxergar a patologia e trazer para a consciência escolhas inconscientes (mesmo a de infância de Hardin, por exemplo), a possibilidade de mudança passa a ser vista. Quem ler o 1o e o 5o livro da série verá personagens distintos. Não é nada ‘da água para o vinho’ ou ‘mudança milagrosa’, mas é possível enxergar duas pessoas amadurecidas de uma relação que antes só era guiada pelo amor em seu excesso.

O recado de Anna Todd ao final, para mim, é apenas um: amem, mas amem com reponsabilidade. E é realmente uma pena quem não consegue apreender esta mensagem. Se for para ser uma leitura superficial de After, eu realmente não recomendo a ninguém, mas se for para compreender em sua essência, de que somos fadados a escolhas ruins pelo nosso passado – e que é possível alterar o seu percurso, esse livro tem muito a nos ensinar sobre a vida.


Sobre a autora

Eu provavelmente tenho o dobro da idade da maioria das leitoras de Anna Todd. Sou jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há quase três. No meu aniversário de 31 ganhei de um grupo de amigos psicanalistas o livro After. Sou pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital e atuo na clínica com jovens e adolescentes. Esta foi a desculpa deles para me presentearem com Anna Todd ao invés de uma obra de Sigmund Freud ou Jacques Lacan. Ainda bem que eles fizeram isso. Em um mês eu já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois. 


Cínthia Demaria é jornalista, psicanalista e autora da Coluna After No Divã, aqui no After Brasil. Seus textos são apresentados quinzenalmente às quartas-feiras, sempre analisando um aspecto diferente dentro da Série After e os seus derivados.

Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Alerta de Spoiler! Se você não leu todos os livros da série, não deve ler este texto.

Há uns dias publiquei um artigo que sempre tive vontade de escrever assim que conheci o personagem Hardin Scott. Deitá-lo no divã e divagar em uma análise sobre o relacionamento Hessa foi uma delícia. Fiquei surpresa com o feedback que recebi dos leitores. Não há prazer maior de escrever do que ver que alguém se identifica com as suas ideias. A grande descoberta foi ver que muitas pessoas se interessariam por outras análises dos protagonistas da obra de Anna Todd. Em um grupo de Facebook, uma leitora sugeriu que eu escrevesse sobre o momento do impasse de Tessa Young com a maternidade – sem dúvida, uma das cenas mais chocantes de Depois da Promessa. Incentivada pelo apoio de outras leitoras interessadas pelo tema, decidi redigir mais um texto da série (quem sabe?) “After no divã”.

O texto de Anna Todd é um grato presente em vários sentidos. Além de ser uma delícia de ler, ela toca em questões de pulsões humanas fundamentais. Atribuo o sucesso da série também a este fator. Ela narra o que cada um de nós quer viver pra narrar, de forma incrível. Na singularidade peculiar entre o leitor e a obra, vamos para cama com Anna para nos deliciar com a pulsão sexual nua e crua, de um jeito que recalcamos principalmente pelas ‘regras sociais’ da nossa civilização. (Bom, mas este é um ponto para um outro texto, porque isso aí rende pano pra manga). Para além disso, Anna toca em pontos da feminilidade cruciais, tal qual a maternidade. E, ao meu ver, isso é o que justifica o público majoritariamente feminino. Não é só pela ideia do romance e de um Hardin absurdamente sensual e enigmático. É também pela via do feminino, do que é ser uma mulher.

Logo no primeiro livro Anna já sugere esse tom quando Tessa ouve ser chamada de ‘mulher’ por Kimberly, quando chega ao seu primeiro estágio na Vance Publishing. Até então ela não se via assim, pois tivera sempre em uma posição infantilizada pela mãe. Esta passagem marca bem a transição da adolescência para a vida adulta de Tessa, pois vai além do momento em que ela questiona a autoridade da mãe Carol Young. Ela passa a ser então, mulher, assim nomeada pelo outro. E durante toda a trajetória de After, a protagonista vai de encontro à uma pergunta chave da psicanálise: “O que é ser uma mulher?”.

A descoberta da sexualidade para Tessa a transforma. Hardin desperta nela o que poderia ter sido recalcado pelas regras sociais impostas pela família, pelo ex namorado de infância, pelos vizinhos da cidade em que vivia com a mãe etc. Veja bem, Hardin não a transforma, ele revela a ela mesma, a mulher que é. Os ‘segredos de menina’ vão se perdendo a medida em que um outro passa a ter acesso à sua intimidade e revela prazeres vividos e confessados pela mulher. Não é a menina que goza, é a mulher que passa admitir suas pulsões a ponto de revelá-las ao parceiro. E assim, Tessa começa a estabelecer novas regras para quem ela via no espelho: uma mulher vestida no semblante social (que usa maquiagens, lingeries que vão ser vistas por outro etc), mas o mais importante ainda, uma mulher que consegue desejar e assumir suas escolhas. Ouso dizer que o que a faz apaixonar por Hardin de forma tão repentina é a imagem que ele a faz ver de si mesma. Tessa se apaixona por si antes de amar Hardin. Assim como ele, que admitiu a ela que a coisa que mais amava no mundo era ele mesmo – até começar a amá-la. E não é isso que amamos no outro? A forma como ele nos vê e como faz com que a gente se veja? Com Hessa não foi diferente.

No Caso Dora, um dos registros mais clássicos da obra de Sigmund Freud, o psicanalista se depara com a angústia da paciente que se pergunta o que é ser uma mulher. Em uma importante intervenção de Freud, a questão da maternidade é trazida à tona por ele e Dora não retorna mais às sessões. Este ponto clínico dará a Freud elementos suficientes para desenvolver o estudo sobre a histeria, e a outros psicanalistas, como Jacques Lacan, longas discussões sobre “O que quer uma mulher?’.

Fiquei realmente grata à Anna Todd por tocar nesse ponto de toda a trajetória da construção do feminino por Tessa. Ela esbarra na questão da maternidade de forma cronológica (talvez não intencional), mas que sugere o feminino, que inevitavelmente irá incidir sobre as escolhas da mulher – ainda que a escolha não seja ser mãe, como Freud conclui após a abandono de Dora da análise. E como a ponta do iceberg de infelizes acontecimentos que ocorriam na vida de Tessa naquele momento, este faz desmoronar o que ela denominava ser o maior sonho da sua vida.

Lidar com o ‘real’ da impossibilidade materna faz Tessa desabrochar, literalmente. Depois deste ponto é possível perceber como ela consegue bancar as suas escolhas frente a um outro e frente ao seu próprio desejo de não se entregar a Hardin de forma irracional. A maternidade, no caso Tessa, fez vacilar o ciclo vicioso do relacionamento que ela vivia.  

No momento em que ela se afasta de outro para pensar sobre si mesma, ela então dá conta de voltar a assumir um relacionamento que ela sempre desejou. Não é Hardin que faz cair a ficha de Tessa. A maternidade a encoraja a agir sobre si, a abrir mão de rótulos, do curso que fazia, da cidade que vivia e até da própria possibilidade de ser mãe. Ela se torna mulher antes de se tornar mãe, o que só acontece quando se depara com a impossibilidade. Depois de algumas tentativas, entretanto, Hessa tem um casal de filhos com uma mãe muito mais madura, que continua a ser mulher. Umas das minhas cenas favoritas do ‘final feliz’ é quando Tessa ocupa-se de trabalho e diz à filha que naquele momento não estaria disponível para ela. É como se ela dissesse “Filha, além de ser sua mãe também sou uma mulher que está aqui bancando a sua escolha profissional feita somente por ela mesma”.

Ao final, descobrimos uma mulher e um homem que só se revelaram após ser um casal. E é por eles, cada qual em sua singularidade, que nos apaixonamos.

Quer sugerir a análise de uma cena? Envia nos comentários.


Sobre a autora

Eu provavelmente tenho o dobro da idade da maioria das leitoras de Anna Todd. Sou jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há quase três. No meu aniversário de 31 ganhei de um grupo de amigos psicanalistas o livro After. Sou pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital e atuo na clínica com jovens e adolescentes. Esta foi a desculpa deles para me presentearem com Anna Todd ao invés de uma obra de Sigmund Freud ou Jacques Lacan. Ainda bem que eles fizeram isso. Em um mês eu já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois. 


Cínthia Demaria é jornalista, psicanalista e autora da Coluna After No Divã, aqui no After Brasil. Seus textos são apresentados quinzenalmente às quartas-feiras, sempre analisando um aspecto diferente dentro da Série After e os seus derivados.

Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Alerta de Spoiler! Se você não leu todos os livros da série, não deve ler este texto.

Depois de ler o primeiro livro da série After eu já estava decidida que precisaria deitar Hardin Scott no meu divã. Para ser sincera, o ‘furacão Hessa’ – como definiu o personagem Landon Gibson em Nothing More (spin-off de After), já justificaria todo um processo de análise, mas não é este o objetivo aqui. Este texto, obviamente, tratará de trechos da minha leitura de Hardin Scott, que inevitavelmente atravessa as minhas questões. Afinal, o que seria dos romances se cada um não pudesse criar o seu próprio personagem, não é?

Nem mesmo o livro Before dá conta de explicar o comportamento ‘esquentadinho’ de Hardin Scott nos primeiros meses de relacionamento com Tessa Young – e com o mundo, que é a partir de então que ele vai se abrir e se permitir expressar seus sentimentos. Em Depois da promessa (livro 5 da série) conhecemos um novo personagem, arrependido, disposto a se tornar marido e pai de família, a ser quem ele nunca admitiu querer ser. Mas sabemos que não foi tão fácil assim. Hardin submeteu-se ao processo de terapia para dar conta de suportar a separação geográfica de Tessa, sem se dar conta de que seria preciso estar longe para então poder ficar perto. Anna Todd não se alonga muito sobre esse momento do personagem, porque assim como a ela, só nos interessava saber o que eles faziam juntos. Sempre juntos!

Antes de adentrar a mente do nosso personagem queridinho é preciso destacar o ardente casal Hessa. Eles vivem a clássica paixão que envolve os sentimentos da forma mais profunda possível: amor, dor, raiva, tesão e tensão. É um ciclo que não acaba justamente porque termina antes de acabar. Quando chegam perto de se tornarem um casal tradicional, dão um jeito de desmoronar o lugar seguro, quase que numa tentativa proposital. Hardin tem medo de se envolver a princípio, mas desconfio que nas tentativas de afastar Tessa é quando ele mais a trazia para perto. Para eles é sempre um novo começo. É um relacionamento com vários inícios, onde não se permitem apagar o fogo da paixão em troca da comodidade de dias tranquilos. E é esta narrativa que Anna percorre, porque é quando eles finalmente dão certo, que a história acaba. Não há mais ‘fogo’ que pegar (literalmente, no caso de Hardin. Rs). Até porque, convenhamos, se buscasse um relacionamento tranquilo, Tessa jamais teria deixado Noah.

Sabemos que o final é tudo aquilo que esperamos durante os cinco livros e que os olhos azuis acinzentados de Tessa jamais deixaram de estar cheios de amor por Hardin, mesmo após anos juntos, com o casal de filhos etc. De qualquer forma, o objetivo aqui é analisar a narrativa que percorre noventa por cento da série, que é marcada pelos desencontros e as reconciliações viciantes, que não nos permite interromper a leitura entre um livro e outro.

Scott, Hardin

É através de Tessa que Hardin vai conhecer o seu mundo. Enquanto ele revela a ela quem ela realmente é, ela recompensa trazendo toda a sua história a tona, permitindo a ele conhecer-se junto. É impressionante como a trajetória profissional de Tessa é que revela o inconsciente de Hardin. Desde sua colega de quarto Setph, à descoberta dos (não tão) ‘amigos’ das festas da fraternidade, até o seu envolvimento profissional. Tessa aninha-se na casa dos ‘dois’ pais de Hardin na maior parte da história. Quando ele a machucava, ela buscava abrigo onde ele mesmo nunca teve.

Hardin se apega à Tessa como se não conseguisse ficar longe da sua própria história. O encontro com a amada leva-o para o sentimento da paixão e para a sua essência, nos diversos níveis. Ela revela a ele que é possível amar, mas que para isso é preciso enfrentar seus medos, sua família e a si próprio.

Ela faz o enigma pra ele de quem ele realmente é por trás da carcaça do bad boy. E é também o enigma que mantém esse relacionamento. É o que Freud classifica na histeria a partir da clássica pergunta “o que o outro quer de mim?”. Esse jogo do não saber com o querer saber é o que mantém os dois nessa relação de vai e vem, aparentemente doente, mas saudável ao ponto de ainda sim se fazerem bem e não conseguirem se desconectar.

Hardin é problemático e com uma saída certeira de Anna Todd, a partir do segundo livro, ela passa a dar voz a ele, antes que o leitor possa odiá-lo. Mesmo com todos os erros é impossível odiar Hardin Scott. É na imperfeição que o protagonista cativa os leitores, que podem até sentir raiva de Tessa quando tenta afastá-lo.

Anna ouviu em várias das entrevistas que Hardin poderia ser abusivo. Tessa diz isso a ele em Depois da Promessa e ele se chateia quando percebe que é a assim que ela vê o relacionamento deles. Ao final do livro, entretanto, Hardin ganha voz, como se representasse Anna, e justifica o seu posicionamento justamente quando convence Tessa que After precisaria ser publicado. Ele diz: “As pessoas precisam ler este livro para entender que não existem relacionamentos perfeitos como nos romances” e no capítulo seguinte Tessa complementa: “É muito fácil julgar alguém ou algum relacionamento quando você não está envolvida nele”.

Hardin desperta o que há de melhor e pior em quem o lê. Mas Hardin é cada um de nós. É a partir do outro que vemos a nós mesmos. Só sabemos o que é o amor e a dor, se houver alguém para provocá-los em nós. Tessa é o espelho inconsciente de Hardin que se manifesta sem borda, sem filtro, e desperta as reações humanas mais arcaicas, como a agressividade e a pulsão sexual. O mal estar só começa quando ele precisa ‘civilizar-se’ nas regras do amor e passa a submeter-se pela razão social de um outro – no caso, nas regras de Tessa, que também passam a ser as regras do leitor.

Em contrapartida, Hardin desmantela todo o discurso ‘civilizado’ de Tessa e a convida a viver as pulsões humanas sem qualquer pudor. Isso é o que a atrai. Nessa tentativa enlouquecedora de tentar viver os dois discursos, eles concordam que é melhor ser um pouco dos dois.

Entretanto, o acordo principal que o casal faz na narrativa é: escolhemos viver os desencontros do amor. É disso que vivem os casais. Hardin e Tessa são o exemplo perfeito para a clássica frase do psicanalista Jacques Lacan: “Amar é dar ao outro aquilo que não se tem”. O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo.  Quando reconhecemos no que se transformaram os dois protagonistas de After ao final da leitura, só vemos a doação da falta de um ao outro. Ou seja, só vemos amor.


Sobre a autora

Eu provavelmente tenho o dobro da idade da maioria das leitoras de Anna Todd. Sou jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há quase três. No meu aniversário de 31 ganhei de um grupo de amigos psicanalistas o livro After. Sou pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital e atuo na clínica com jovens e adolescentes. Esta foi a desculpa deles para me presentearem com Anna Todd ao invés de uma obra de Sigmund Freud ou Jacques Lacan. Ainda bem que eles fizeram isso. Em um mês eu já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois. 


Cínthia Demaria é jornalista, psicanalista e autora da Coluna After No Divã, aqui no After Brasil. Seus textos são apresentados quinzenalmente às quartas-feiras, sempre analisando um aspecto diferente dentro da Série After e os seus derivados.




Nome: After Brasil / Anna Todd Brasil
Online desde: 19 de Junho de 2014
URL: afterbr.com / annatodd.com.br
Webmaster: Douglas Vasquez
Contato: contato@afterbr.com
Versão: 4.0

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AFTER
Status: Disponível
Direção: Jenny Gage
Roteiro: Susan McMartin

AFTER: Depois da Verdade
Status: Pós-produção
Direção: Roger Kumble
Roteiro: Anna Todd

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