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Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Os maiores problemas entre Hessa sempre estiveram relacionados à insegurança de Hardin. Até ele conseguir acreditar e aceitar que era digno de amor, foi uma longa jornada, especialmente pra Tessa, que vivia se equilibrando na corda bamba pra conseguir fazer ele acreditar nisso.

Dentre as situações mais difíceis que eles passaram, a maioria delas estava relacionada à insegurança dele. A começar pela aposta, onde ele se escondeu do amor e temeu a recusa dos amigos – o que eu já até discuti em detalhes no texto “Por que Hardin permanece com a aposta mesmo já amando Tessa?”. De tão inseguro, preferiu apegar-se a um jogo ao invés da amada, que para o caso de ser recusado, já estaria “blindado” desse sofrimento.

Quando vão morar juntos, especificamente no segundo livro “Depois da Verdade”, Hardin abre de vez a “caixinha da insegurança”. Bastou um grunhido de Tessa com o nome de Zed enquanto dormia, pra ele sair de casa, beber, perder o rumo, não dar notícia, e acabar sendo a causa de um acidente com ela no trânsito. Motivo esse, inclusive, que será o estopim pra Tessa sair do apartamento e eles ficarem separados pelos longos nove dias sem comunicação (como tratei no texto anterior).

Os grandes gargalos do relacionamento deles sempre tiveram a ver com esta insegurança: o ciúme excessivo com Zed (e a quase prisão de Hardin) quando ele destrói os patrimônios da universidade em uma briga; o “boicote” à moradia de Tessa em Seattle; a implicância com Trevor, porque aparentemente ele seria ‘perfeito’ pra Tessa; até um presente de Natal. Para quem não se lembra, Hardin deu a ela uma pulseira e acertou na escolha, mas logo sofreu porque Ken e Karen também a presentearam com o mesmo artefato, só que de uma marca famosa. Hardin sentiu-se tão inseguro, que em um capítulo ele descreveu o medo de que Tessa preferisse usar o presente dado por Ken, e não o dele. 

Nos mínimos detalhes, no dia a dia, Hardin demonstrava-se inseguro. Não se achava digno de amar, de amor, de aceitar que era amado. E isso traz consequências muito importantes para o casal. 

E porque é tão difícil pra ele? Hardin sempre viveu em um ambiente propício para que a insegurança se manifestasse: a hostilidade de uma “rejeição” e a falha de uma casa sem comunicação. Para ele o pai não era digno de amor, nem a mãe, já que fora abandonada. Amor era sinônimo de dor. E teria ele outra opção senão desconfiar quando um grande amor bateu à sua porta dizendo que daria pra ser feliz? O pouco tempo que teve acesso a isso na infância (se é que teve), foi perdido muito cedo.

Hardin aprendeu muito jovem que as relações familiares, em especial os casamentos, estavam fadados ao fracasso. Percebam como é assim que ele trata desse assunto com Tessa. Ele parece ter um receio de se casar, de “colar esse rótulo” e perder o que conseguiu, ou se frustrar demais envolvendo em algo que “nunca dá certo”. É claro que ele queria viver a vida toda com Tessa desde o princípio, mas admitir isso era muito arriscado pra ele.

Obviamente o casamento não garante felicidade eterna, mas o objetivo é problematizar a desconfiança do personagem em acreditar em uma família e ter que reviver traumas como os que o marcaram, novamente. Até então seria melhor manter como estivesse, onde ele poderia escapar, sem ter que viver a dor de um abandono “oficial”, que envolveria até trâmites burocráticos e que sem dúvida seria bem mais difícil de descolar.

Além do que viveu no passado, a falta de informação ainda contribuiu para o não fechar dessa conta. Uma pessoa insegura precisa de informação. Quanto menos ela sabe, mais ela cria, mais ela fantasia, mais ela desconfia. O que fez Ken começar a beber e abandonar Trish? Ele nunca soube (antes de Tessa). Como as pessoas se sentiam em relação a ele? Ele nunca soube, pois sempre preferiu se esconder. É claro que uma pessoa chegar dizendo amá-lo com todas as suas forças não viraria essa chave de maneira tão simples.

Hardin nunca se sentiu amado e preferia se manter assim até então. Enquanto não amava, não doía. Adotou um perfil pra afastar as pessoas para que elas nem tentassem provar pra ele o contrário. E aí alguém que “enfrenta” toda a barreira que ele erguia o faz no mínimo questionar: “porque eu”? E é isso que ele faz desde o princípio com Tessa, por não se achar digno. De forma inconsciente, ele poderia até supor que quem estaria jogando com ele era ela, já que não seria possível alguém se importar tanto.

Mas Tessa jamais desistiu. Quando ele enfim começa a acreditar que poderia ser digno do amor de alguém que ele surpreendentemente também amava, isso o faz perder a cabeça. O medo de sofrer e a ansiedade de perder o faz meter os pés pelas mãos, sempre. E ele parece errar de forma inconsciente com Tessa pra “testar” esse amor a todo custo. Não está em jogo justificar o (mal) tratamento dele com ela em muitos momentos, mas apontar que uma demonstração de afeto para ele não bastava. Ele precisava de mais, precisava destruir pra saber se haveria construção possível. É como se ele precisasse ter enlouquecidamente a certeza de que a muralha era forte e que ele poderia se ancorar sem se machucar com um novo abandono. E Tessa foi forte, bem mais que ele. Segurou a onda até o ponto em que dependia dela. Todavia, a insegurança não é resolvida apenas quando se aposta fielmente na confiança de alguém. Ela tem que começar de dentro. Não é em Tessa que ele precisava confiar, mas em si mesmo. Aquela certeza do início, de que ele precisava estar colado nela para ser quem ela precisava, começa a cair por terra. Era preciso ancorar em si, na crença de que poderia ser amado, para então ter o que doar ao outro além de incerteza. Ele precisou se afastar, se conhecer, para devolver à Tessa um homem que aceitava o amor, mas antes de tudo, aceitava a si mesmo. Sendo digno de si, foi digno de ter um mundo de sucesso e recompensas, como o que aconteceu ao final.

Sobre a autora

Jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há três. Pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital, atua na clínica com jovens e adolescentes. No seu aniversário de 31 anos ganhou o livro After de uns amigos psicanalistas. Em um mês já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.

Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Se tem algum momento da série After que a gente torce pra passar rápido, sem dúvida é a parte em que o casal protagonista fica separado fisicamente. O romance envolvente de Hardin e Tessa nos faz querer torcer incessantemente para que eles nunca se separem. Porém, em alguns momentos a distância parece ter feito bem para o relacionamento, e hoje irei analisar três “separações” decisivas para a união deles, determinadas coincidentemente (ou não), pela distância.

É estranho perceber como a razão e o pensar sobre “o que estavam fazendo” só se torna possível enquanto estavam separados fisicamente. Juntos, a princípio, só havia emoção, paixão sem limites e consequências nem sempre das mais favoráveis. Por mais que seja deliciosa a leitura deles juntos, a gente vê que só conseguem dar continuidade ao relacionamento quando davam um passo atrás para pensar. Da passagem de paixão para amor tem esse ponto fundamental: a relação ardente precisa ganhar espaço para amadurecer e virar amor, e isso é inevitável, a medida em que o casal começa a ter que conviver com a vida social, laboral e familiar do outro.

Pois bem. Comecemos pelos difíceis nove dias em que ficaram separados em “Depois da Verdade”, quando Hardin vai pra Inglaterra para se ‘recuperar’ das recentes discussões e Tessa hospeda-se na casa de Landon, depois de sofrer um acidente de carro ao pegar o telefone pra ler uma mensagem do amado. O primeiro sinal de que as coisas não iam bem partiu da insegurança de Hardin ao ver que Tessa disse o nome de Zed enquanto dormia. Enfurecido, ele vai para um bar, dorme na casa de uma conhecida, mente para Tessa que saiu cedo pra tomar café com o pai e não dá mais notícias, até dizer outra mentira com a mensagem no celular que causou o acidente dela. Amparada por Landon, ela decide sair do apartamento, e ele, frustrado por ela não voltar pra casa arrependida, decide ir pra casa da mãe em outro país.

Esse erro foi decorrente do perdão de Tessa depois da aposta. Hardin apostou que ela o perdoaria novamente, e não aconteceu da forma como ele esperava. Foram 9 dias, um esperando o contato do outro, sem sucesso. Nessa primeira separação, os dois se entregam (pelos relatos da história), à vontade de fingir que nada tinha acontecido, pra jamais ficarem longe de novo.

Nessa separação não há razão. Apesar dos sucessivos erros cometidos pelos dois, eles só não voltaram antes por não dizerem ao outro como estavam se sentindo realmente. Evitaram a comunicação nos primeiros dias até Hardin trincar a tela do telefone e perderem a chance de contato de vez. A falta de comunicação, nessa situação, só piorou as coisas. Criaram fantasias, não tinham informação e ambos se apagaram de suas vidas, se entregando à dias terríveis de angústia, sem qualquer explicação. Uma separação totalmente movida pela emoção, pela raiva, pelo descontentamento e principalmente, pela falta de comunicação.

A segunda separação importante foi a ida de Tessa para Seattle. Não isenta de um erro (mais uma vez ocasionado pela insegurança de Hardin), quando ele tenta boicotar a mudança dela pra cidade que sempre quis, Tessa vai mesmo assim. Aqui a relação está mais madura, e apesar de sucessivos problemas até que Hardin compreendesse a importância daquilo pra ela, o namoro deles permanece. Não há uma separação por raiva ou implicância. Tessa até diz em alguns momentos que se quisesse ficar com Hardin, precisaria se distanciar dele por algum momento e bancar as suas próprias escolhas, por mais que fosse difícil ficar longe.

E dessa vez faz bem. Por mais que ele frequentasse constantemente a casa dos Vance, eles criaram saídas para se manter distantes e juntos mesmo assim. E pra isso não foi preciso abrir mão da paixão, já que mantinham uma relação sexual ativa. A distância fez Tessa crescer profissionalmente e amar ainda mais o parceiro, a partir de pequenas atitudes quando ele demonstrava (menos que minimamente), compreender a escolha dela.

A segunda separação foi determinante para a terceira e para o sonhado final feliz. Ocasionado mais uma vez pela insegurança de Hardin com o episódio da Inglaterra que ele diz que nunca a iria merecer, ela volta para os EUA determinada a ir para Nova Iorque viver a sua vida. E de lá, com todas as saídas que cria (e com as constantes visitas de Hardin), ela compreende como alguém de fora da situação, que era com ele mesmo que gostaria de ficar o resto de sua vida. Há alguns relatos de tentativas de outros relacionamentos, mas em uma frase marcante, Tessa diz “É difícil entrar em um novo relacionamento quando o seu coração já tem dono”. E de fora, com várias idas e vindas, ela percebe que junto com o amor, a paixão por aquele homem jamais iria acabar.

Essa ultima separação foi decisiva. Ouso dizer que sem ela, talvez eles jamais se acertassem e ficariam constantemente nesse jogo de ir e voltar que só causava sofrimento. Ao final vemos um relacionamento bem mais maduro, não só pelo avançar da idade deles, mas pela compreensão de quem eram antes mesmo de estarem juntos. Se fosse para fazer uma analogia, diria que eles só deram certo depois que entenderam que um relacionamento saudável não é feito por duas metades da laranja, mas por laranjas inteiras (e diferentes) que escolhem por opção própria compartilharem a companhia, cada qual com a sua singularidade.

Matéria publicada por: Douglas Vasquez

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

“Cadê você, Scott?”. “Eu vi quando ele saiu do bar. Tenho certeza de que está aqui”, diz outro homem. Saio da cama e sinto o piso frio sob os meus pés. No começo achei que fosse o meu pai e seus amigos, mas agora acho que não. “Saia, saia de onde você está”, a voz mais grave grita. “Ele não está aqui”, diz a minha mãe assim que termino de descer a escada e vejo quem são. Minha mãe e quatro homens. “Ei, olha só o que temos aqui”, diz o homem mais alto. “Quem diria que a mulher do Scott era tão gostosa?”. Ele segura a minha mãe pelo braço e a puxa para fora do sofá. […] “Mãe!” Exclamo e corro até a sala de estar. “Hardin, volta lá pra cima”. […] “Acho que ele quer ver”, diz o homem machucado, jogando-a no sofá. Acordo num sobressalto e sento na cama.

O trecho acima é de um dos relatos mais detalhados dos sonhos de Hardin, escrito pela Anna Todd no livro “After: Depois da Verdade”, no momento em que Hardin perde a companhia de Tessa, depois dela descobrir sobre a aposta. Neste mesmo capítulo vemos a narrativa de Hardin dizendo que desde que ela foi embora, toda noite agora era assim.

Mas afinal, o que são esses pesadelos de Hardin? Será que são apenas lembranças de um dos piores dias de sua vida? E porque Tessa tinha o poder de afastá-lo destes momentos? Antes de responder a essas questões, precisamos recorrer à teoria dos sonhos.

Uma das obras mais clássicas da Psicanálise é a Interpretação dos Sonhos, criada pelo pai da teoria, Sigmund Freud. Para ele, os sonhos são fenômenos psíquicos onde realizamos desejos inconscientes. Freud parte do princípio de que todo sonho tem um significado, embora oculto, da realização de desejos. Os desejos reprimidos na vida de vigília muitas vezes estão relacionados com os nossos desejos mais primitivos vetados fortemente pela moral vigente. Interpretar um sonho significa conferir-lhe um sentido, isto é, ajustá-lo à cadeia de significantes.

Em suma, o sonho é uma das manifestações do inconsciente. Diz sobre o passado (e não sobre o futuro), sobre desejos e traumas recalcados, daqueles que a gente não dá conta de dizer nem de explicar e que são manifestados através de fragmentos em nossos sonhos. Em um processo de análise a narrativa de um sonho é muito importante. É através desta manifestação, ainda que contada de forma desconexa e “sem sentido”, que o analista pode perceber como se manifestam enigmas recalcados que mais cedo ou mais tarde trarão significados importantes ao paciente.

E o que faz Hardin afinal quando passa boa parte da vida revivendo esse momento enquanto dorme? Como podemos ver acima, o primeiro fator para que estes pesadelos fossem recorrentes para ele é o fato de que ele não trazia isso para a consciência. Ou seja, não falava sobre isso. Para não ter que lidar com esse trauma de uma forma direta, ele preferiu recalcar – de forma inconsciente. Porém, o inconsciente se manifestava sempre que ele estava sozinho, à mercê de lembranças que ele aparentemente ignorava.

Quando Tessa chega ela não impede que os pesadelos aconteçam, mas ela desempenha um papel fundamental para que eles diminuam: ela dá a chance a Hardin de falar sobre eles. Quando ele externa isso, a constância parece cair drasticamente. Não isola, porque ele até então não havia tratado disso, mas falar sobre isso já parece ajudar.

Outro ponto importante recalcado no inconsciente de Hardin tem a ver com o enfrentamento ao pai.  O vilão pra ele deste episódio sempre foi Ken – mais até do que os próprios estupradores, e evitar o pai a qualquer custo o colocava à prova de um trauma não resolvido. Quando Tessa aparece e ele começa a frequentar mais a vida de Ken (até então o conhecido pai para ele), isso também parece se dissolver. Por mais que a raiva perdurasse, parece que conhecer o ‘vilão da história’ o afetaria menos. Quando mais se conhece uma pessoa e os motivos dela para tais atos, menos se julga, menos se sofre – vide exemplo de Molly, Ken e até o próprio Hardin. O leitor não odeia Hardin apesar dos atos porque tem a chance de ouví-lo, de compreender a sua história. E quanto mais conhece Ken, menos dramático o sonho fica.

Os pesadelos também revelam outro importante característica do protagonista de After: a insegurança. O sentimento de impotência vivido enquanto a mãe era violentada fragiliza Hardin, coloca-o na defensiva e incentiva a violência física. Enquanto não podia fazer nada enquanto criança, vai descarregar a raiva por via física. Ele não quer ouvir nem conhecer os motivos de seus adversários, quer se vingar. E esses sonhos constantes alimentavam esse desejo incessante de se vingar de algo que o seu inconsciente insistia em repetir noite após noite.

Com Tessa ele continua a sonhar, porque permanece inseguro, mas a imagem de poder ter ‘sob a sua custódia’ uma mulher que ele poderia proteger, inclusive de instintos sexuais de outro homem, faz com que ele também dissipe, de certa forma, o conteúdo desses sonhos do cenário onde ele não podia fazer nada. Tessa ameniza essa dor e dá a ele a chance de ‘protegê-la’, mesmo que esse fosse um pensamento só da cabeça dele. A companhia dela acalmava a impotência dele frente à situação violenta. Desta vez, ele poderia fazer alguma coisa. E isso traz alívio.

Todavia, o poder dela de acalmá-lo é consciente, concreto. Ela interrompia a sensação violenta do sono quando acordava-o para lhe tranquilizar. O verdadeiro papel de Tessa em relação aos pesadelos de Hardin é à função que ela desempenhava nele, a sensação de proteção e amor que ela despertava.

Ao longo dos anos os pesadelos vão diminuindo, porque apesar de todos os conflitos nos relacionamentos, Hardin se vê obrigado a aprender a lidar com os seus afetos. E isso também muda muito as coisas. Enquanto enfrenta o seu passado, diz sobre a sua raiva e se vê obrigado a agir de maneiras distintas para não perder algo que lhe importava na vida, ele vai ganhando segurança de si mesmo e a demonstração de afeto deixa de ser pra ele uma violência. Já disse várias vezes isso, mas nunca acho demais repetir: o que muda Hardin não é diretamente Tessa, mas a capacidade que ele vai adquirindo de lidar com os seus próprios sentimentos. 

É um processo longo, doloroso e cheio de consequências, inclusive para a parceira que se coloca à mercê desse aprendizado junto com ele. Mas afinal, o que é o amor senão a capacidade de ouvir o outro? E aí sim, neste papel, Tessa se faz fundamental para o desenvolvimento de um Hardin disposto a lidar consigo mesmo.

Sobre a autora

Jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há três. Pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital, atua na clínica com jovens e adolescentes. No seu aniversário de 31 anos ganhou o livro After de uns amigos psicanalistas. Em um mês já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.

Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Diversas vezes eu trouxe para esta coluna o que Hardin desperta em Tessa em vários sentidos – inclusive o sexual, mas nunca me debrucei com afinco ao significado do que é este ato para ele. Embora já tenha vivido variadas experiências com muitas mulheres, com Tessa há uma diferenciação clara, uma ressignificação e um divisor de águas. Não é só o amor que ela desperta nele. O sentido e o gozo que o encontro com ela proporciona acrescenta um ingrediente fundamental nesta ‘química’.

Comecemos pelo início da história de Hardin. A primeira cena sexual que ele presencia na vida é enquanto criança, durante um evento traumático onde ele assiste ao estupro da própria mãe, e que trará um significante importante pra ele: o sexo é um ato de violência. Naquele momento, a relação sexual é desvelada para ele como algo sem prazer, que marca claramente a ausência do pai e a indiferença da mãe sobre o assunto, por nunca ter discutido e por ter mantido verdade ocultas, como tratei no texto Trish, o não dito e a história construída por atos. Se fosse resumir em dois sentidos, o sexo para Hardin, pela primeira vez na vida, significou violência e desamparo parental.

Mais pra frente, como tratei no texto Natalie e a saída de Hardin para o passado traumático, o sexo vai aparecer para ele como uma punição pela vida. Já que fora ‘punido’ pelo ato sexual, é neste sentido que irá devolvê-lo ao mundo, claro que em uma saída inconsciente, até porque enquanto ‘punia’ o mundo pela sua visão distorcida de prazer, era a si mesmo que ele estava punindo. Ele estabelece várias parcerias que mais tarde ele irá confessar que não necessariamente se enquadrariam em um prazer da libido sexual em si, mas um alívio momentâneo, onde ele tentava circundar aquele assunto que ele esteve sempre às voltas, que mesclava um destino de alívio, de pertencimento social, mas também de angústia.
Até chegar em Tessa. O mistério da virgindade o atraiu por algum motivo, e não necessariamente o da aposta. Ele se coloca neste jogo para se ‘resguardar’ de qualquer possível encantamento pelo amor ou até para não perder a sua posição social frente aos outros, dada a sua insegurança.

Pela primeira vez ele toca uma mulher sem esperar algo em troca, de realizar-se no prazer. A primeira cena entre eles (a do lago) é praticamente Hardin desenhando o prazer da mulher, e quase nos dá a sensação de que era a  primeira vez em que ele via aquilo, e o prazer era todo em assistir uma mulher gozar frente a um instinto que ele dominava completamente.

Tessa é a primeira experiência que ele tem de que não precisa punir o mundo com o sexo. Repetidas vezes ele diz que um dos principais fatos de a querer tanto é porque nunca tinha dormido com outros homens, por isso a ideia de qualquer homem que chegue perto dela é um pavor, é como se quisessem tirar dele o único prazer sexual que só ele obteve.

Outro ponto fundamental do fato de nunca ter sido tocada é em relação a uma posição que confronta a imagem “manchada” da mãe dele na infância enquanto vários homens possuíam uma ‘mulher inocente’. Esse fator talvez explique a forma paranoica com que Hardin lida com a possibilidade de Tessa ter outros parceiros que não saberiam preservar a sua inocência, talvez por isso o ciúme excessivo, especialmente com Zed, que literalmente coloca a sexualidade dela em jogo.

Em alguns momentos Hardin parece querer involuntariamente punir Tessa. “Não é justo que ela seja inocente e se entregue a alguém como ele”, ele se sente culpado por tirar a inocência sexual de uma mulher (como experimentara no passado), ao mesmo tempo em que a deseja. Por isso essa mola do desejo, que vai e volta sem cessar, em uma relação que o prazer traz culpa e revela a angústia do amor e da possibilidade de perda que antes de Tessa ele nem imaginava, pois não tinha o que perder.

Um ponto importante levantado por uma leitora do After no Divã foi também em relação ao fato de Hardin sempre pedir para que Tessa dissesse o que ela queria no momento do sexo. Desde o primeiro contato deles nesse sentido, ele sempre insistiu para que ela falasse, talvez pela insegurança e pavor da cena da infância, para ter certeza que ela consentia com aquilo.

Todavia, não há como dizer sobre a sexualidade de Hardin sem dizer sobre nós leitores, afinal não é este um dos principais fatores de interesse pelo livro? A pulsão sexual da leitura é o que dividimos com Tessa. Entre as “quatro paredes” de um livro, a mulher experimenta um sexo sem pudor através de algo que é aceito socialmente (a leitura). Diz também sobre discussões femininas, principalmente na juventude, que (ainda) não são tão abertas quanto para os homens. Por isso, ao meu ver, dentro vários outros, After cumpre um papel que quebrar esse tabu. Por mais doentio que Hardin possa ter parecido no relacionamento com Tessa, ele é quem a ensina que ela também pode (e deve) ter prazer. Ele não aceita se satisfazer sozinho, põe ela pra falar e realizar as suas fantasias, o que muitas vezes é difícil ocorrer socialmente – como vejo nos relatos de consultório e como vemos na vida.

Mesmo tendo ciúme, ele é quem acaba fazendo dela mulher, mostrando a ela que deve ser desejada por um homem. Ele só não admite perder isso que ele nunca tinha tido até então, mas não podemos negar que ninguém na vida nunca a valorizou como mulher, que deseja sexualmente, como ele fez.

A questão do insuportável e do ciúme é uma questão dele que é explicada em vários momentos da vida, como tentei fazer neste texto. Entretanto, não podemos deixar de assumir que tanto Anna quanto o seu personagem Hardin cumprem o lugar fundamental de trazer à tona questões sexuais naturalizando-as ao universo feminino. E isso sim é um ponto super a favor desta obra.

Sobre a autora

Jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há três. Pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital, atua na clínica com jovens e adolescentes. No seu aniversário de 31 anos ganhou o livro After de uns amigos psicanalistas. Em um mês já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.

Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Um dos momentos mais complexos da vida é aquele em que o sujeito precisa decidir-se sobre qual será a sua ocupação na maior parte do tempo ao longo dos anos. O trabalho é talvez um dos ciclos sociais mais fundamentais da humanidade, pois garante subsistência, traz a noção de ‘sentido’ e ‘utilidade’ no mundo e contribui até para o pertencimento social. Seja qual for o ramo, sempre vai haver uma parceria, nem que seja com um cliente.

A escolha profissional diz sobre quem você gostaria de ser, com o que gostaria de trabalhar, mas diz muito mais, diz sobre quem você é. Não há escolha sem razão. A bem da verdade é que esta dúvida não é só por uma fase. Muita gente se redescobre ao longo da vida e de repente decide trilhar novos rumos. E tudo bem. A vida é de quem a vive e passar a maior parte do tempo trabalhando com o que não gosta é a maior bobagem. O trabalho é sustento, sobrevivência, mas não deve ser necessariamente árduo, muito pelo contrário.

Pelo visto a protagonista de After entendeu bem esse recado. Mas afinal, o que a escolha da profissão encabeçada pelo destino universitário tem a nos dizer sobre Tessa?

A personagem do livro (que é quem essas análises levam em conta) decide estudar Letras (Inglês, nos EUA). Uma profissão criativa, sensitiva, compromissada com uma história. E não se parecem com Tessa essas características?

Pelo visto ela já amava a história de amores improváveis/impossíveis – dadas as principais referências citadas em After. Dentre as obras que ela mais discute com Hardin estão aquelas em que ela se enxerga, que consegue se defender e se identificar. Vale lembrar que é por via do livro (e por suas paixões literárias) que ela cria o primeiro laço de admiração por Hardin, que é coincidentemente, a primeira vez em que o pré julgamento dela com alguém também cai. Tessa fica surpresa ao descobrir que aqueles livros que viu em um quarto durante uma festa era do garoto que a havia chamado a sua atenção (de forma negativa) mais cedo. Junto com a surpresa, o primeiro ponto de aproximação com o (futuro) amante. Essa é também uma das primeiras vezes em que ele aparecerá como um mistério pra ela, e que a partir daí, ela se verá tentada a investigar.

Desde o primeiro dia de aula Tessa parece estar determinada e escrever uma outra história. O contato com o livro dá liberdade a isso, a de a cada dia, poder viver uma aventura diferente. Trabalhar com isso é
uma tarefa complexa pro sujeito: é preciso se ver e se reinventar ali. É dizer sobre uma escrita de si para o outro, assim como Hardin o faz quando publica os seus livros.

A escrita faz uma borda para o sujeito que o nomeia. A função da escrita é alcançar o que está fora de alcance. É criar um nome, uma ficção de si, um enquadramento a um sintoma. Cada qual tem um objetivo diferente quando escolhe uma profissão (vejam por Tessa e Hardin), mas há um ponto pela letra e pela história, que os dois se identificam.

Como toda profissão, esta requer muita dedicação. É impossível ler uma história e não “se ler” ali. Já disse algumas vezes que a discussão com haters é na maioria das vezes desnecessária, pois cada um lê a história a partir do seu próprio repertório.

Quando sai de casa para estudar este curso Tessa sai determinada a ser autora da sua própria história, até então nos livros. E é aí que está o pulo do gato: apesar disso, ela decide seguir outra profissão, a de organizar casamentos.

A nova escolha a incentiva a viver para além da teoria de sua própria escrita, mas vai viver na prática o novo, o impossível, o que ninguém jamais imaginaria que ela fosse fazer. Após ajudar com o casamento de Landon, Tessa encontra-se perfeitamente naquela função. É quase como se ela optasse por viver “organizando a felicidade”, lidando o tempo inteiro com o improvável e realizando sonhos. Mal sabia ela que ajudar a realizar os sonhos dos outros ela estava na verdade realizando-se.

Tessa sai dos livros sem sair das histórias de amor. Ela sai da teoria e vai pra prática. Uma profissão inclusive complementa muito a outra. O que se faz em Letras senão construir boas narrativas? E quando faz isso, cria oficialmente a sua assinatura no mundo. Ela é útil assim, se vê feliz assim e direciona oficialmente o seu desejo de final feliz para uma atividade laboral. 

Isso é a escolha profissional: como você quer ser reconhecida(o) pelo outro, a partir do que você mais ama fazer na vida. Considero o tempo para decidir isso muito pouco, se fixarmos aos prazos de escolas e universidades. O que vale é o prazo da vida. A direção é você quem dá. Passa pela borda que você quer dar ao gozo que você compartilha com o mundo. E cada um faz o seu sentido. 

Hardin endereça a sua história a alguém e faz um uso da profissão completamente diferente do que Tessa faz. Ele constitui-se no mundo e sobre o novo ser humano que passa a ser a partir da sua escrita. Já ela, utiliza dos seus traços de organização, com o desejo de juntar finais felizes, independente do caminho que aquelas pessoas tenham percorrido até o casamento. É nesta nova profissão que Tessa deixa cair oficialmente todos os seus preconceitos, porque seja qual for a história de amor, ela estava disposta a contar para o mundo.

As escolhas profissionais de Tessa, no fim das contas, revelam alguém que ela passou a ser, capaz de mudar, de assumir novos amores e bancar decisões que jamais imaginaria, sem perder a sua essência pela organização e pelo apreço a um bom romance. O que vemos ao final, é uma mulher capaz de destinar a sua pulsão pela vida por via de um amor real, em consonância a um trabalho que a dignificava.

Sobre a autora

Jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há três. Pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital, atua na clínica com jovens e adolescentes. No seu aniversário de 31 anos ganhou o livro After de uns amigos psicanalistas. Em um mês já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.




Nome: After Brasil / Anna Todd Brasil
Online desde: 19 de Junho de 2014
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Contato: contato@afterbr.com
Versão: 4.0

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AFTER
Status: Disponível
Direção: Jenny Gage
Roteiro: Susan McMartin

AFTER: Depois da Verdade
Status: Pós-produção
Direção: Roger Kumble
Roteiro: Anna Todd

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