Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista
Um dos momentos mais complexos da vida é aquele em que o sujeito precisa decidir-se sobre qual será a sua ocupação na maior parte do tempo ao longo dos anos. O trabalho é talvez um dos ciclos sociais mais fundamentais da humanidade, pois garante subsistência, traz a noção de ‘sentido’ e ‘utilidade’ no mundo e contribui até para o pertencimento social. Seja qual for o ramo, sempre vai haver uma parceria, nem que seja com um cliente.
A escolha profissional diz sobre quem você gostaria de ser, com o que gostaria de trabalhar, mas diz muito mais, diz sobre quem você é. Não há escolha sem razão. A bem da verdade é que esta dúvida não é só por uma fase. Muita gente se redescobre ao longo da vida e de repente decide trilhar novos rumos. E tudo bem. A vida é de quem a vive e passar a maior parte do tempo trabalhando com o que não gosta é a maior bobagem. O trabalho é sustento, sobrevivência, mas não deve ser necessariamente árduo, muito pelo contrário.
Pelo visto a protagonista de After entendeu bem esse recado. Mas afinal, o que a escolha da profissão encabeçada pelo destino universitário tem a nos dizer sobre Tessa?
A personagem do livro (que é quem essas análises levam em conta) decide estudar Letras (Inglês, nos EUA). Uma profissão criativa, sensitiva, compromissada com uma história. E não se parecem com Tessa essas características?
Pelo visto ela já amava a história de amores improváveis/impossíveis – dadas as principais referências citadas em After. Dentre as obras que ela mais discute com Hardin estão aquelas em que ela se enxerga, que consegue se defender e se identificar. Vale lembrar que é por via do livro (e por suas paixões literárias) que ela cria o primeiro laço de admiração por Hardin, que é coincidentemente, a primeira vez em que o pré julgamento dela com alguém também cai. Tessa fica surpresa ao descobrir que aqueles livros que viu em um quarto durante uma festa era do garoto que a havia chamado a sua atenção (de forma negativa) mais cedo. Junto com a surpresa, o primeiro ponto de aproximação com o (futuro) amante. Essa é também uma das primeiras vezes em que ele aparecerá como um mistério pra ela, e que a partir daí, ela se verá tentada a investigar.
Desde o primeiro dia de aula Tessa parece estar determinada e escrever uma outra história. O contato com o livro dá liberdade a isso, a de a cada dia, poder viver uma aventura diferente. Trabalhar com isso é
uma tarefa complexa pro sujeito: é preciso se ver e se reinventar ali. É dizer sobre uma escrita de si para o outro, assim como Hardin o faz quando publica os seus livros.
A escrita faz uma borda para o sujeito que o nomeia. A função da escrita é alcançar o que está fora de alcance. É criar um nome, uma ficção de si, um enquadramento a um sintoma. Cada qual tem um objetivo diferente quando escolhe uma profissão (vejam por Tessa e Hardin), mas há um ponto pela letra e pela história, que os dois se identificam.
Como toda profissão, esta requer muita dedicação. É impossível ler uma história e não “se ler” ali. Já disse algumas vezes que a discussão com haters é na maioria das vezes desnecessária, pois cada um lê a história a partir do seu próprio repertório.
Quando sai de casa para estudar este curso Tessa sai determinada a ser autora da sua própria história, até então nos livros. E é aí que está o pulo do gato: apesar disso, ela decide seguir outra profissão, a de organizar casamentos.
A nova escolha a incentiva a viver para além da teoria de sua própria escrita, mas vai viver na prática o novo, o impossível, o que ninguém jamais imaginaria que ela fosse fazer. Após ajudar com o casamento de Landon, Tessa encontra-se perfeitamente naquela função. É quase como se ela optasse por viver “organizando a felicidade”, lidando o tempo inteiro com o improvável e realizando sonhos. Mal sabia ela que ajudar a realizar os sonhos dos outros ela estava na verdade realizando-se.
Tessa sai dos livros sem sair das histórias de amor. Ela sai da teoria e vai pra prática. Uma profissão inclusive complementa muito a outra. O que se faz em Letras senão construir boas narrativas? E quando faz isso, cria oficialmente a sua assinatura no mundo. Ela é útil assim, se vê feliz assim e direciona oficialmente o seu desejo de final feliz para uma atividade laboral.
Isso é a escolha profissional: como você quer ser reconhecida(o) pelo outro, a partir do que você mais ama fazer na vida. Considero o tempo para decidir isso muito pouco, se fixarmos aos prazos de escolas e universidades. O que vale é o prazo da vida. A direção é você quem dá. Passa pela borda que você quer dar ao gozo que você compartilha com o mundo. E cada um faz o seu sentido.
Hardin endereça a sua história a alguém e faz um uso da profissão completamente diferente do que Tessa faz. Ele constitui-se no mundo e sobre o novo ser humano que passa a ser a partir da sua escrita. Já ela, utiliza dos seus traços de organização, com o desejo de juntar finais felizes, independente do caminho que aquelas pessoas tenham percorrido até o casamento. É nesta nova profissão que Tessa deixa cair oficialmente todos os seus preconceitos, porque seja qual for a história de amor, ela estava disposta a contar para o mundo.
As escolhas profissionais de Tessa, no fim das contas, revelam alguém que ela passou a ser, capaz de mudar, de assumir novos amores e bancar decisões que jamais imaginaria, sem perder a sua essência pela organização e pelo apreço a um bom romance. O que vemos ao final, é uma mulher capaz de destinar a sua pulsão pela vida por via de um amor real, em consonância a um trabalho que a dignificava.
Sobre a autora
Jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há três. Pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital, atua na clínica com jovens e adolescentes. No seu aniversário de 31 anos ganhou o livro After de uns amigos psicanalistas. Em um mês já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.