Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista
Antes de mais nada, a pergunta principal: o que é o amor? Sem dúvida a minha resposta é diferente da sua, que é diferente da de Anna Todd, de Hardin, de Tessa, de quem quer que você conviva. O amor é único, singular, seja para expressar, seja para sentir. Não há receita de bolo pra dizer o que é necessário para ser/ter um ‘amor perfeito’. Há várias formas de amar uma mesma pessoa e cada um tem a sua. O que é bom pra um, não é necessariamente para o outro.
Um dos amores mais deliciosos é o platônico, aquele que é exatamente do jeito que você imagina, perfeito, sem furos, que nem mesmo os defeitos são capazes de fazer você deixar de amar. Esse é o amor inacessível, pela obra, por um personagem ou artista e até mesmo por alguém próximo. É aquele amor pela fé, pelo que você acredita que é, e que se for acessível um dia, deixa de ser perfeito. Há pessoas que amam o Hardin, mas jamais saberiam viver com um. Outras amam amar Hardin e esse sentimento basta. Tem aquelas que amam ter o sentimento de Tessa por Hardin ou simplesmente se apaixonam pela escrita que Anna faz. Há vários tipos de amor, e hoje vamos falar daquele que se ama em After.
Dentre as perguntas que mais recebo no Instagram, todo mundo quer entender esse jeito peculiar que Hardin tem de amar. Há dezessete semanas venho falando sobre isso em todos os textos da coluna After no Divã, mas hoje decidi pinçar de forma mais específica. Há uma estranheza na demonstração de afeto deste personagem, que faz um curioso enigma em Tessa e em quem escolhe amá-lo junto com ela.
Depois de dizer que a pessoa que mais ama no mundo é ele próprio, Hardin já dá a dica que isso nunca mais será verdade. Discuti isso no texto “Hardin Scott, a cena do lago e o mito do narciso”. Frente a esse encontro com um outro que lhe dá a oportunidade da fala, no momento em que externa isso, jamais conseguirá assumir novamente. Este ato o transforma e marca o fato de que ele odeia ter que amar a vida. Há muito amor misturado com dor naquele inconsciente que ele não necessariamente está disposto a lidar.
Entretanto, com medo de perder o amor em si, começa a fazer barra no amor do outro. No caso de Hardin, por via do controle. Quando começa a se perder no outro, ele precisa que este reafirme que ainda há amor em si. O pessoal do Central After Help (@C_A_Help) pontuou uma possível discussão sobre o “Eu TAMBÉM te amo”, onde Hardin solicita obsessivamente que Tessa não apenas concorde, mas que também diga que o ama. Isso nada mais é do que uma tentativa de tentar controlar aquele relacionamento que ele passou a viver intensamente e a amar mais do que a própria vida. Há notoriamente um “não saber” dele, trazido pela insegurança de acreditar que aquilo seria real também para quem ele destinava a sua libido. É como se Hardin enviasse uma carta e não quisesse saber apenas que o destinatário recebeu. Ele precisava desse endereçamento retornado a ele.
Hardin parece pedir a Tessa a bússola para o relacionamento, para que ele jamais permaneça ali sozinho, principalmente quando começa a abrir mão de suas escolhas e de quem sempre foi. O maior medo dele desde o início, era se perder em algo que ele não poderia controlar. Não por um acaso, ele faz (e mantém) uma aposta, para se ‘agarrar’ a quem era, com medo de se perder completamente e não poder voltar.
Por mais estranho que isto possa soar, as atitudes controladoras de Hardin fazem pra ele um lugar seguro, de que ele poderia retornar a ser quem era quando bem entendesse. Mas com Tessa não era assim. Havia consequências. Se com as outras garotas ele poderia perder, com ela, não. Ele simplesmente não poderia. Ou ele perderia de si ou perderia o amor dela, e numa tentativa de não perder nada, ele controla, tenta ‘engavetar’ as suas pulsões e ‘guardar’ numa perspectiva até paranoica, aquilo que conquistara. É claro que Tessa também tem questões inconscientes pelas quais permanece neste lugar – e que já discuti por aqui várias vezes.
O amor faz claramente um sintoma para Hardin. Para um sujeito obsessivo, amar pode ser muitas vezes, um ponto de sofrimento. Sabe aquela pessoa que sempre controlou tudo, desde as escolhas profissionais até o que as garotas iriam sentir por ele? Pois é, com o amor é diferente, ele não pode decidir sempre a troco do risco de perder quem ele passou a amar. O amor descontrola, tira do eixo.
Na maioria dos casos de traição (com outra pessoa ou com uma aposta, como é neste caso), são cometidos justamente por pessoas que temem ser traídas ou deixadas. Com medo do que o outro possa fazer enquanto não controla o seu próprio desejo, o sujeito se antecipa a isso, quase que numa tentativa de controlar a situação e já se antever a uma eventual perda.
Na experiência inicial da leitura, temos a sensação de quem controla tudo é Tessa, mas basta a metade do primeiro livro para vermos que o grande controlador sempre foi Hardin. O amor não desestrutura Tessa como acontece com ele. Ela se permite e se entrega bem mais e topa com muito mais facilidade abrir mão da vida que levava, vendo isso de uma forma positiva, inclusive. Quem ela se torna quando se perde da ‘antiga’ Tessa, a faz ir pra frente. E com Hardin é diferente. Ele até não controlava os compromissos, mas os seus sentimentos ele sofria por manter nos trilhos desse amor que ele até então desconhecia.
Essa pra mim é a grande virada de After. Os rótulos que conhecemos dos personagens no início vão caindo. O controle e a aparente ‘fraqueza’ de Tessa migram pra Hardin. Enquanto ela o descontrola e se fortalece, ele simplesmente não sabe lidar e vai correr atrás disso para não perdê-la.
E foi perdendo de si mesmo, que Hardin escolheu se encontrar no amor. E é só quando ele entende que isso é impossível controlar, que eles então se ajeitam. Não é controlando Tessa que ele a mantinha por perto, nem era do jeito dele que as coisas iriam dar certo. É do jeito do amor compartilhado, da carta que volta para o ‘seu’ endereço, mas que já traz uma nova mensagem. Respondendo ao primeiro parágrafo deste texto, foi quando Hardin compreendeu que não há jeito perfeito de amar, porque cada um ama de um jeito, que ele se fez o amor para Tessa.
Sobre a autora
Jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há três. Pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital, atua na clínica com jovens e adolescentes. No seu aniversário de 31 anos ganhou o livro After de uns amigos psicanalistas. Em um mês já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.