Matéria publicada por: Cínthia Demaria

Por Cínthia Demaria – Jornalista e Psicanalista

Alerta de Spoiler! Se você não leu todos os livros da série, não deve ler este texto.

Há uns dias publiquei um artigo que sempre tive vontade de escrever assim que conheci o personagem Hardin Scott. Deitá-lo no divã e divagar em uma análise sobre o relacionamento Hessa foi uma delícia. Fiquei surpresa com o feedback que recebi dos leitores. Não há prazer maior de escrever do que ver que alguém se identifica com as suas ideias. A grande descoberta foi ver que muitas pessoas se interessariam por outras análises dos protagonistas da obra de Anna Todd. Em um grupo de Facebook, uma leitora sugeriu que eu escrevesse sobre o momento do impasse de Tessa Young com a maternidade – sem dúvida, uma das cenas mais chocantes de Depois da Promessa. Incentivada pelo apoio de outras leitoras interessadas pelo tema, decidi redigir mais um texto da série (quem sabe?) “After no divã”.

O texto de Anna Todd é um grato presente em vários sentidos. Além de ser uma delícia de ler, ela toca em questões de pulsões humanas fundamentais. Atribuo o sucesso da série também a este fator. Ela narra o que cada um de nós quer viver pra narrar, de forma incrível. Na singularidade peculiar entre o leitor e a obra, vamos para cama com Anna para nos deliciar com a pulsão sexual nua e crua, de um jeito que recalcamos principalmente pelas ‘regras sociais’ da nossa civilização. (Bom, mas este é um ponto para um outro texto, porque isso aí rende pano pra manga). Para além disso, Anna toca em pontos da feminilidade cruciais, tal qual a maternidade. E, ao meu ver, isso é o que justifica o público majoritariamente feminino. Não é só pela ideia do romance e de um Hardin absurdamente sensual e enigmático. É também pela via do feminino, do que é ser uma mulher.

Logo no primeiro livro Anna já sugere esse tom quando Tessa ouve ser chamada de ‘mulher’ por Kimberly, quando chega ao seu primeiro estágio na Vance Publishing. Até então ela não se via assim, pois tivera sempre em uma posição infantilizada pela mãe. Esta passagem marca bem a transição da adolescência para a vida adulta de Tessa, pois vai além do momento em que ela questiona a autoridade da mãe Carol Young. Ela passa a ser então, mulher, assim nomeada pelo outro. E durante toda a trajetória de After, a protagonista vai de encontro à uma pergunta chave da psicanálise: “O que é ser uma mulher?”.

A descoberta da sexualidade para Tessa a transforma. Hardin desperta nela o que poderia ter sido recalcado pelas regras sociais impostas pela família, pelo ex namorado de infância, pelos vizinhos da cidade em que vivia com a mãe etc. Veja bem, Hardin não a transforma, ele revela a ela mesma, a mulher que é. Os ‘segredos de menina’ vão se perdendo a medida em que um outro passa a ter acesso à sua intimidade e revela prazeres vividos e confessados pela mulher. Não é a menina que goza, é a mulher que passa admitir suas pulsões a ponto de revelá-las ao parceiro. E assim, Tessa começa a estabelecer novas regras para quem ela via no espelho: uma mulher vestida no semblante social (que usa maquiagens, lingeries que vão ser vistas por outro etc), mas o mais importante ainda, uma mulher que consegue desejar e assumir suas escolhas. Ouso dizer que o que a faz apaixonar por Hardin de forma tão repentina é a imagem que ele a faz ver de si mesma. Tessa se apaixona por si antes de amar Hardin. Assim como ele, que admitiu a ela que a coisa que mais amava no mundo era ele mesmo – até começar a amá-la. E não é isso que amamos no outro? A forma como ele nos vê e como faz com que a gente se veja? Com Hessa não foi diferente.

No Caso Dora, um dos registros mais clássicos da obra de Sigmund Freud, o psicanalista se depara com a angústia da paciente que se pergunta o que é ser uma mulher. Em uma importante intervenção de Freud, a questão da maternidade é trazida à tona por ele e Dora não retorna mais às sessões. Este ponto clínico dará a Freud elementos suficientes para desenvolver o estudo sobre a histeria, e a outros psicanalistas, como Jacques Lacan, longas discussões sobre “O que quer uma mulher?’.

Fiquei realmente grata à Anna Todd por tocar nesse ponto de toda a trajetória da construção do feminino por Tessa. Ela esbarra na questão da maternidade de forma cronológica (talvez não intencional), mas que sugere o feminino, que inevitavelmente irá incidir sobre as escolhas da mulher – ainda que a escolha não seja ser mãe, como Freud conclui após a abandono de Dora da análise. E como a ponta do iceberg de infelizes acontecimentos que ocorriam na vida de Tessa naquele momento, este faz desmoronar o que ela denominava ser o maior sonho da sua vida.

Lidar com o ‘real’ da impossibilidade materna faz Tessa desabrochar, literalmente. Depois deste ponto é possível perceber como ela consegue bancar as suas escolhas frente a um outro e frente ao seu próprio desejo de não se entregar a Hardin de forma irracional. A maternidade, no caso Tessa, fez vacilar o ciclo vicioso do relacionamento que ela vivia.  

No momento em que ela se afasta de outro para pensar sobre si mesma, ela então dá conta de voltar a assumir um relacionamento que ela sempre desejou. Não é Hardin que faz cair a ficha de Tessa. A maternidade a encoraja a agir sobre si, a abrir mão de rótulos, do curso que fazia, da cidade que vivia e até da própria possibilidade de ser mãe. Ela se torna mulher antes de se tornar mãe, o que só acontece quando se depara com a impossibilidade. Depois de algumas tentativas, entretanto, Hessa tem um casal de filhos com uma mãe muito mais madura, que continua a ser mulher. Umas das minhas cenas favoritas do ‘final feliz’ é quando Tessa ocupa-se de trabalho e diz à filha que naquele momento não estaria disponível para ela. É como se ela dissesse “Filha, além de ser sua mãe também sou uma mulher que está aqui bancando a sua escolha profissional feita somente por ela mesma”.

Ao final, descobrimos uma mulher e um homem que só se revelaram após ser um casal. E é por eles, cada qual em sua singularidade, que nos apaixonamos.

Quer sugerir a análise de uma cena? Envia nos comentários.


Sobre a autora

Eu provavelmente tenho o dobro da idade da maioria das leitoras de Anna Todd. Sou jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há quase três. No meu aniversário de 31 ganhei de um grupo de amigos psicanalistas o livro After. Sou pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital e atuo na clínica com jovens e adolescentes. Esta foi a desculpa deles para me presentearem com Anna Todd ao invés de uma obra de Sigmund Freud ou Jacques Lacan. Ainda bem que eles fizeram isso. Em um mês eu já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois. 


Cínthia Demaria é jornalista, psicanalista e autora da Coluna After No Divã, aqui no After Brasil. Seus textos são apresentados quinzenalmente às quartas-feiras, sempre analisando um aspecto diferente dentro da Série After e os seus derivados.


Nome: After Brasil / Anna Todd Brasil
Online desde: 19 de Junho de 2014
URL: afterbr.com / annatodd.com.br
Webmaster: Douglas Vasquez
Contato: contato@afterbr.com
Versão: 4.0

O After Brasil é a maior fonte sobre a série no Brasil e no mundo; oficializado por Anna Todd e as editoras e distribuidoras parceiras. Todo o conteúdo do site (fotos, notícias, vídeos e etc) pertencem ao site a não ser que seja informado o contrário. Este site foi criado por fãs e para os fãs e não possui nenhum tipo de fins lucrativos.
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AFTER
Status: Disponível
Direção: Jenny Gage
Roteiro: Susan McMartin

AFTER: Depois da Verdade
Status: Pós-produção
Direção: Roger Kumble
Roteiro: Anna Todd

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